Repúblicas, Alojamento, Casa de Mamãe e do Papai
Todos
nós, uma hora ou outra, tiveram que passar pela mudança de sair de
debaixo das saias de nossas mães e enfrentar a vida relativamente
por nossa conta. Uns demoraram bem mais do que outros, são os
sortudos, enquanto que outros nem bem terminaram o segundo gral e já
estavam vivendo uma vida muito diferente daquela repleta de cafés da
manhã regados a achocolatados dissolvidos por mãos maternais,
acompanhados de puro carinho e abraços paternos. Tínhamos aquelas
conversas meio sem sentido e umas outras mais sérias com relação a
responsabilidade, ou falta dela. Éramos adolescentes e a vida
adulta, mais cedo ou mais tarde iria bater a porta de nossas casas,
nos arrancaria de lá e mostraria que o mundo não era feito apenas
dos docinhos de nossas tias e dos presentes da vovó.
E esse
rompante de fim da juvenilidade vem a todo vapor. Para alguns pobres
– não se trata de força de expressão, alguns como eu são
miseráveis mesmo – a agressividade da transição assusta.
Imagine-se longe de casa, com perspectivas de continuar assim ainda
por muito tempo, e encontrar-se rodeado por tipos desprezíveis. Eu
sei, não tenham inveja, mas nem todo mundo tem a sorte de ter parte
de sua personalidade forjada a ferro e fogo. Acontecimentos futuros
demonstraram que a paciência e jogo de cintura e, principalmente, a
perspectiva da análise política das situações cotidianas, coisas
adquiridas em três anos imersos em uma terra insólita, foram muito
úteis não só como ferramentas de sobrevivência, mas também como
estratégias de manipulação de situações e pessoas. Permitiram
que coisas que não deveriam ser ditas fossem ditas e coisas que não
deveriam ser feitas realizadas. O mais importante é que tudo
retornava no estado anterior sem muito esforço.
Em
algumas situações mais abonadas a transição foi mais amena, mas
não não menos agressiva. Passar a viver com pessoas que você nunca
viu na vida, de uma hora para outra, é como mudar para outro
planeta. Tem aquele povo que acha que biscoito é bolacha, que água
sanitária é cândida, e mais estranho ainda: hambúrguer e cachorro
quente serve de almoço e jantar. Porta não é porta mais, é
porrlta, corda é corrlda, e Luiz Fernando é Luiz Ferrlnando. Mas
ainda aparecem outros sotaques mais exóticos como o da terra dos
criadores de saci. Esse eu nem faço ideia de como reproduzir. Ou
ainda o português oriundo daquela terra sem lei do centro oeste de
minas, onde o clã dos Moura faz questão de pronunciar o português
arcaico, como os colonizadores o falavam a centenas de anos. Se Marx
disse, no seu tempo, que a melhor maneira para entender o período
medieval era voltar os olhos para a ásia, hoje em dia a melhor
maneira para compreender o Brasil arcaico é nos voltando para
cidades que tem uma única rua nesse sertão mineiro.
Agora
imaginem toda essa gente unida. Os filhinhos da mamãe, os criados
pela vovó, as filhas caçulas, os roqueiros cuja cabeleira restou
apenas em fotos desbotadas, os futuros chefes de família, os
ex-gordinhos, as ex-pintoras reconhecidas regionalmente na infância,
os poetas de versos adolescentes... Todo mundo compondo um céu
completamente novo, onde cada astro contempla todo o resto de uma
perspectiva diferente. Somos nós, e ainda assim pra maioria das
pessoas não somos ninguém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário