terça-feira, outubro 11, 2011


Repúblicas, Alojamento, Casa de Mamãe e do Papai

Todos nós, uma hora ou outra, tiveram que passar pela mudança de sair de debaixo das saias de nossas mães e enfrentar a vida relativamente por nossa conta. Uns demoraram bem mais do que outros, são os sortudos, enquanto que outros nem bem terminaram o segundo gral e já estavam vivendo uma vida muito diferente daquela repleta de cafés da manhã regados a achocolatados dissolvidos por mãos maternais, acompanhados de puro carinho e abraços paternos. Tínhamos aquelas conversas meio sem sentido e umas outras mais sérias com relação a responsabilidade, ou falta dela. Éramos adolescentes e a vida adulta, mais cedo ou mais tarde iria bater a porta de nossas casas, nos arrancaria de lá e mostraria que o mundo não era feito apenas dos docinhos de nossas tias e dos presentes da vovó.

E esse rompante de fim da juvenilidade vem a todo vapor. Para alguns pobres – não se trata de força de expressão, alguns como eu são miseráveis mesmo – a agressividade da transição assusta. Imagine-se longe de casa, com perspectivas de continuar assim ainda por muito tempo, e encontrar-se rodeado por tipos desprezíveis. Eu sei, não tenham inveja, mas nem todo mundo tem a sorte de ter parte de sua personalidade forjada a ferro e fogo. Acontecimentos futuros demonstraram que a paciência e jogo de cintura e, principalmente, a perspectiva da análise política das situações cotidianas, coisas adquiridas em três anos imersos em uma terra insólita, foram muito úteis não só como ferramentas de sobrevivência, mas também como estratégias de manipulação de situações e pessoas. Permitiram que coisas que não deveriam ser ditas fossem ditas e coisas que não deveriam ser feitas realizadas. O mais importante é que tudo retornava no estado anterior sem muito esforço.

Em algumas situações mais abonadas a transição foi mais amena, mas não não menos agressiva. Passar a viver com pessoas que você nunca viu na vida, de uma hora para outra, é como mudar para outro planeta. Tem aquele povo que acha que biscoito é bolacha, que água sanitária é cândida, e mais estranho ainda: hambúrguer e cachorro quente serve de almoço e jantar. Porta não é porta mais, é porrlta, corda é corrlda, e Luiz Fernando é Luiz Ferrlnando. Mas ainda aparecem outros sotaques mais exóticos como o da terra dos criadores de saci. Esse eu nem faço ideia de como reproduzir. Ou ainda o português oriundo daquela terra sem lei do centro oeste de minas, onde o clã dos Moura faz questão de pronunciar o português arcaico, como os colonizadores o falavam a centenas de anos. Se Marx disse, no seu tempo, que a melhor maneira para entender o período medieval era voltar os olhos para a ásia, hoje em dia a melhor maneira para compreender o Brasil arcaico é nos voltando para cidades que tem uma única rua nesse sertão mineiro.

Agora imaginem toda essa gente unida. Os filhinhos da mamãe, os criados pela vovó, as filhas caçulas, os roqueiros cuja cabeleira restou apenas em fotos desbotadas, os futuros chefes de família, os ex-gordinhos, as ex-pintoras reconhecidas regionalmente na infância, os poetas de versos adolescentes... Todo mundo compondo um céu completamente novo, onde cada astro contempla todo o resto de uma perspectiva diferente. Somos nós, e ainda assim pra maioria das pessoas não somos ninguém.

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