Estava pensando aqui em casa. Sozinho em Belo Horizonte. A solidão estimula os pensamentos saudosistas em função da rememoração de momentos que estávamos cercados de amigos. Pois agora me encontro cercado de confusões dissertativas e uma viagem para o passado no sentido de buscar momentos de confraternização etílica é uma necessidade da manutenção de minha cada vez mais reduzida sanidade.
Chatices e discursos emocionados à parte gosto de lembrar dos momentos de felicidade espontânea. Aqueles que a gente não programa e se auto-geram por meio de coincidências que fogem da nossa capacidade de compreender.
Era uma bebedeira qualquer, de um dia qualquer. Saímos eu e parte da panela feminina: Larissa, Talita e Amanda (Agregada da panela feminina). Nada de mais. Fomos no Shopping da Moda pra aproveitar mais um Domingo pouco produtivo. Como de Praxe fui à casa das meninas para buscá-las. Nada de cavalheirismo nesse ato. Nunca gostei de pessoas que se atrasam. Como todo mundo vive se atrasando, e mulheres são tendenciosamente mais atrasadas devido a questões que fogem a essa postagem, busquei as senhoritas em sua residência. De fato não era nenhum sacrifício. Gostava de andar pelo balaústre. De passar pelo cruzamento com a rua do Leão. E me agradava muito uma conversa sempre bem humorada. As conversas sempre foram bem humoradas com elas. Podia utilizar de todo meu aparato de insatisfação com a humanidade (misantropia) e levar os temas mais absurdos à pauta com uma argumentação inusitada e cheia de pompa acadêmica. Chegando lá obviamente nenhuma das três damas estavam pronta. A conversa desenvolveu-se fragmentada e desconexa até que o trio finalizou seus preparativos para o consumo de uma bebida alcoólica proveniente da cevada. Também conhecida como cerveja esse líquido já havia nos proporcionado momentos memoráveis.
O caminho até o lugar escolhido como fornecedor de embriaguez não era longo. Nada que dez minutos de uma leve caminhada, passando pelo Calçadão de Viçosa, que sucedia a Matriz, não resolvesse. Estávamos lá. Um “músico” careca e cabeludo tocava um violão. Nada de muito espantoso. Consumimos cervejas ao gosto das mulheres. Uma bela série de “Skols” regaram a conversa.
Enquanto bebíamos o liquido em cor de urina conversávamos à respeito do futuro. De como estaríamos daí um ano. Era o último ano de faculdade pra mim. Esse assunto me incomodava mais do que qualquer outra coisa. No entanto à medida que o tempo passava, e a gradação alcoólica no sangue se alterava, não importava mais o assunto. Nesses momentos, os momentos que realmente importam, as palavras não fazem mais sentido. A significância destes ultrapassa qualquer verbalização, ou pensamento, ou filosofia. São apenas sentimentos, e agora lembranças, que não tem nome, mas tem registro. E em algum lugar, de alguma forma, tornam-se atemporais pois voltar a eles torna-se um prazer melhor do que viver o presente.
Mas nem tudo é um mar de rosas quando se trata dos amigos. Pior ainda. As situações mais memoráveis são aquelas que envolvem desventuras e rupturas com relação ao pacto consuetudinário da amizade entre as pessoas. E foi isso que aconteceu. Mas antes da descrição desse fato altamente repudiável, no entanto pleno se tratando de um fato a ser contado em uma história, vale lembrar que já havíamos pedido uma música para o intrépido violeiro: Primeiros Erros (Kiko Zambianqui). O pedido foi feito por mim e pela Larissa. Ambos já não muito sóbrios. Nós dois éramos os com uma aparência mais alcoolizada e a fama de nossos hábitos ébrios adentrava inclusive no círculo dos professores do curso de História. Pedimos e o menestrel, apesar de relutante, atendeu a nossa reivindicação. Não sei se ele estava desafinado de voz ou de violão, só sei que não me recordo com boa avaliação de sua interpretação hesitante e estilhaçada. De qualquer forma a tal musica, se bem me recordo, tornou-se a musica oficial do grupo.
Este fato engraçado não foi o auge da noite como já adiantei. O consumo de cerveja leva a idas constantes ao banheiro. Larissa e Amanda se ausentaram da mesa com este fim. Ficamos eu e Talita sentados lá. Não lembro o assunto. Nem o porque dos movimentos bruscos das mãos daquela mulher. A única coisa que sei, e que recordo com uma certa raiva, é que seu braço atingiu violentamente a garrafa ao centro da mesa. Até aí tudo bem. Acidentes acontecem. Esse não era um acontecimento catastrófico que nossas possibilidades financeiras não pudessem arcar. Nossas condições financeiras permitiam que essa garrafa fosse derrubada. E, infelizmente, nossos laços de amizade permitiram com que eu fosse acusado da repentina queda da dita garrafa. Após o acidente, e ainda com as ausentes ausentes, espalhei uma série de guardanapos pela mesa. Não resolveram muita coisa. Bêbado tem umas ideias meio fora da realidade. Por isso comecei a secar a mesa com minha blusa. Acho que faltou pouco para que um de nós não lambesse a mesa. As ausentes retornaram e nos indagaram à respeito do que havia acontecido. Quando abri a boca para uma explicação fui interrompido por um olhar endemoniado da loura criminosa. Era um misto de olhos de criança arteira e político negando desvio de verga. “Foi o Paulo.” Não me importo de fazer as coisas erradas, as escolhas erradas e as manobras políticas erradas, mas ser acusado de uma proeza que não fiz foi encarado por mim como algo muito agressivo. Tão agressivo que as palavras faltaram no momento e minha resposta foi um abrir e fechar de boca com emissão de grunhidos, acompanhados de gesticulação intensa. O resultado? Para as ausentes agora presentes uma confissão de culpa. Pra loira criminosa a sagração de seu golpe contra minha imagem. E pra mim? Acho que foi o início das crises de pânico. Perdido ali, no meio de falsas acusações e da maquinação de uma mende demoníaca, estava só eu e minha consciência. Só me restava beber mais. E bebemos.
No fim das contas Talita assumiu que foi ela. As ausentes assumiram que não haviam acreditado que havia sido eu. E eu? Eu aprendi amigos agindo como seus piores inimigos é o sinal da verdadeira amizade, ou de sacanagem mesmo.